quinta-feira, 9 de junho de 2011

O BOM FILHO A CASA TORNA


      
Quando eu era criança de se puxar pela mão, dei meus primeiros passos no Maracanã levado por meu pai. Ali, Abel já não era a garra do seu (melhor, NOSSO) Tricolor, mas sim o xerife da zaga do Vasco da Gama. Mais tarde, o vi jogar bem no Botafogo - era tido como um veterano aos trinta anos de idade, muito menos pelo bom desempenho em campo do que propriamente pelo tamanho: parecia ter uns três metros de altura, cem quilos e assustava qualquer atacante na área (logo ele que começou como nosso centroavante nas Laranjeiras). Em suma, Abel era também meu zagueiro no time de botão (na verdade, o "becão": ninguém melhor do que ele significava esse personagem numa mesa Estrelão ou Xalingo) junto com Edinho, impunha respeito em qualquer jogo e ficara conhecido por várias duplas de área que vez com outras feras como Geraldo, Gaúcho e Renê, conhecidas pelo simpático apelido de "Garfo e Faca": um espetava, o outro cortava, não necessariamente a bola. Aliás, diga-se de passagem: ele jogava e bem, mas a lenda de espanta-atacantes ficou na cabeça dos mais velhos. E quem poderia supor que Abel é pianista e dos bons?

Anos depois, já treinador, conseguiu dois vice-campeonatos da Copa União nos anos oitenta com um limitadíssmo elenco do Internacional, muito antes de ganhar o mundo novamente como treinador colorado em 2006. E, no meio do caminho, fez história com um excelente time do Fluminense, quando finalmente conseguira voltar para o clube de seu amor: venceu o campeonato estadual com sobras, depois de uma humilhante (mas pouquíssimo falada e escrita) goleada sobre a Gávea. Chegou à final da Copa do Brasil daquele ano, onde perdemos por detalhes mas semeamos a trilha que daria certo em 2007, e só não venceu o campeonato brasileiro porque, às vésperas das batalhas finais o boquirroto presidente Horcades anunciou que iria mandar meio time embora em dezembro - e assim, não perdemos apenas o título mas também a nossa classificação à Libertadores mais fácil de todos os tempos. Vida que segue.

Abel ganhou o mundo e, seis anos depois, está de volta à sua casa. As Laranjeiras estão em festa e não é à toa. Abelão, como era conhecido nos gramados, é daqueles sujeitos que, quando vistos a cinco ou seis léguas de distância, parecem carregar sobre o peito uma imensa bandeira do Fluminense, assim como outros notáveis feito Pinheiro, Edinho, Castilho, Preguinho, Carlos Alberto Torres, Gerson, Assis, Romerito, Ricardo Gomes, Paulo Victor, Thiago Silva e tantos outros herois de sempre. São verdadeiros escudos vivos, estandartes de carne e osso: podem estar dentro de uma multidão e algum arguto observador dirá: "Ali está um Tricolor". Não que seja imprescindível ter vivido em campo a centenária camisa do futebol brasileiro para, um dia, treiná-la: essa petulância não é da nossa sina, mas de outro endereço. Contudo, é sempre mais agradável quando o líder veste a nossa camisa com o coração apaixonado de quem é filho daquelas cores, daquele manto, da lendária honra de pertencer à estirpe do Fluminense.

Estamos acostumados a esperar pacientemente até vencer. Nosso hino ensina isso. Esperamos Abel por três meses. Hoje, cercado por outros craques do passado e mais a beleza que é nossa torcida, ele voltou. E nós, Tricolores, mais do que nunca soubemos mostrar a nossa paciência e a nossa dedicação. Com Abel, é certo que teremos muita luta, muita garra e muita raça, itens que ele sempre deixou transbordar dentro e fora das quatro linhas. Voltamos ao pantheon da briga pelo título brasileiro, que pode acontecer ou não. Agora, o maior troféu que conquistamos hoje é outro: saber que temos um homem de caráter no comando do nosso time, que não sairá pela porta dos fundos por quaisquer seis tostões, sem falar com ninguém e ostentando a mais grotesca arrogância. Agora é diferente: quem nos lidera é um dos nossos, é um daqueles que poderia estar perfeitamente esbravejando ou comemorando nas arquibancadas ao nosso lado. Abel pode vencer ou não, isso faz parte do futebol, mas jamais nos trairá. E, se nosso time mostrar cinco por cento da atitude dele, podem comemorar outra classificação à Libertadores, no mínimo.

Acompanho Abel há trinta e três anos. Com ele nunca teve brincadeira, nem corpo-mole. Sempre se entregou de corpo e alma aos times por onde passou. Conosco, será mais do que isso, porque o coração dele bate na mesma sintonia que o nosso.

À beira do campo, o Tricolor voltou de verdade.

E ai de quem duvide. Ai de quem não der a vida pelo Fluminense em campo, num treino ou num simples chute a gol.

O garfo tem as pontas afiadíssimas. Sou testemunha.

Paulo-Roberto Andel
http://www.benditoflu.com.br/